Ensilagem para alimentar o gado na seca

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Trazemos aqui neste artigo um assunto muito importante para o planejamento alimentar da pecuária lucrativa, que é a ensilagem, o processo de conservar a forragem produzida nos períodos de melhores condições climáticas para poder fornecê-la nas épocas de escassez de alimento na fazenda.
Para entender como planejar melhor este processo, a fim de obter melhores resultados na sua fazenda com essa importante prática, continue a leitura. 

Objetivos da ensilagem

Um dos objetivos da ensilagem é aumentar a preservação dos nutrientes daquela planta que você cortou com a intenção de utilizá-la nas épocas de escassez de alimento em sua propriedade como, por exemplo, na época da seca.
Sabemos que se cortarmos um capim agora e deixarmos ele mesmo que na sombra, não passará muitas horas até ele secar e ter grandes perdas nutricionais, perdendo assim quase que todo o valor nutricional para o animal.
Já na ensilagem, essa conservação se dá pela redução do PH após a fermentação lática, que se inicia por volta do 5º dia e termina próximo do 30º dia, que é quando a silagem já está boa para se começar a usar, mas pode seguir conservada por muitos meses se não for aberta ou tiver sua vedação rompida.

Planejamento de produção da ensilagem

Para ter noção do tamanho da área a ser cultivada para você conseguir produzir forragem suficiente para alimentar todo o seu rebanho pelo tempo de escassez previsto, você deve levar em consideração alguns dados para fazer esse planejamento, como por exemplo:

  • Qual a produtividade da cultura?
    Matéria Verde (MV) = 60 ton/hectare
    Matéria Seca (MS) = 25 ton/hectare
  • Nº de animas: 80 animais
  • Peso dos animais: 280 kg
  • Consumo diário/animal: 5 kg de Matéria Seca
  • Período de suplementação: 180 dias
  • Perdas: 20%

Demanda total de volumoso

Demanda Volumoso (DV) = nº de animais X período de suplementação X consumo diário/animal em MS

DV = 80 animais X 200 dias X 5 kg

DV = 72.000 kg de Matéria Seca de Silagem

+20% de Perdas: 20% de 72.000 kg = 14.400 kg

72.000 kg + 14.400 kg = Demanda de 86.400 kg de Matéria Seca de Silagem

Demanda da área para plantio

Área para Plantio (AP) = Demanda de Matéria Seca de Silagem + Produtividade de Matéria Seca da Cultura/hectare

AP = 86.400 kg de volumoso
        25 t/ha de Matéria Seca

AP = 3,5 hectares serão necessário

Escolha da planta

Após o planejamento da área, chega a hora de se pensar na espécie de planta a ser utilizada. É aconselhável a escolha de uma espécie com um teor de matéria seca de 28% a 40%, com um teor de carboidratos solúveis de no mínimo 7% na Matéria Seca (ideal de 14%) , e com um baixo poder tampão, que é a capacidade da planta em resistir à mudança de PH.

Milho

Alta ensilabilidade, alto valor nutritivo, produção de MS (Matéria Seca) de 12-18t/há. Porém, tem alto custo.

Sorgo

Capacidade de rebrota com até 60% do potencial de produção do 1º corte, produtividade de 15-20t/há de MS, 90% do valor nutritivo do milho, adaptado a solos menos férteis e clima seco, mais resistente a pragas e doenças, e tem menor custo de produção que o milho.

Cana-de-açúcar

Produtividade de 25-30t/há. Porém, tem baixa qualidade nutricional, necessidade de aditivos, baixo custo e trato simples, extensa janela de corte.

Milheto

Produtividade de 5t/há de MS, tolerante ao período seco, possibilidade de mais de um corte.

Soja

Possibilidade de ser feita em consórcio, produção de 5t/há de MS, e ótimo valor nutritivo.

Capim-elefante

Alta produção por área (30-40t/há de MS), vários cortes na época da chuva, porém baixo valor nutritivo, com necessidade de aditivos.

Capins tropicais

Baixo custo, porém de valor nutritivo limitante, produção de 20-30t/há de MS.

Ponto de colheita da planta a ser utilizada

O milho tem o ponto de colheita ótimo para se ensilar quando o grão chega ao ponto farináceo e vai até quando a linha do leite está na metade do grão (linha que divide a fase leitosa e dura do grão do milho, que vai se movendo de cima para baixo). Esta é a janela de colheita para a ensilagem. Recomenda-se a amostragem de 10 espigas por gleba a cada 5-6 dias.
O sorgo, por sua vez, tem o ponto de colheita quando o grão no meio da panícula está no ponto farináceo. A planta do porte médio-baixo tem sua maturação em torno de 90-105 dias, e a planta média-alta em torno de 98-112 dias.
Já o capim-elefante, devido ao seu baixo valor nutritivo, deve ser colhido novo próximo dos seus 60 dias.  Mas por conta da sua alta umidade nesse estágio, o deve-se eliminar o excesso de umidade da forragem utilizando casca de arroz, ou casca de soja, entre outros aditivos parecidos que sequestram a umidade. Recomenda-se também a utilização de aditivos químicos para melhorar a qualidade da silagem e diminuir o poder tampão que o capim-elefante possui.
A cana-de-açúcar possui seu corte para ensilagem na mesma época que estaria pronta pra ser picada e distribuída nos cochos, possuindo cultivares de maturação com 1 ano, e 1 ano e meio. Para a silagem de cana, devido ao seu baixo valor nutritivo, faz-se necessário o  uso de aditivos químicos.
Já a soja, possui seu ponto de corte para silagem no início da fase de enchimento dos grãos, estágio R5 próximo dos 100-110 dias, etapa que se em consórcio, o capim consorciado também estará próximo de sua boa fase nutricional.
O ponto de colheita dos diversos capins tropicais tem seu estágio ótimo quando ainda não apresenta florescimento e quando não há morte de folhas na base da touceira. Sendo este o período em que o capim está em seu melhor valor nutritivo. Não é recomendado deixar o capim crescer demais, uma vez que quanto mais velho estiver o capim, pior será o seu valor nutricional. E devido ao baixo valor nutritivo e poder tampão de resistir a mudanças de PH, faz-se necessário  o uso de aditivos químicos na ensilagem

Etapas da ensilagem

Existem vários tipos de silos: bag, vertical, superfície (o de lona, um dos mais utilizados), fardos de filme plástico ou sacos, e trincheira (o mais recomendado devido a sua boa capacidade de compactação).
Após ter conhecimento de qual tipo de silo será utilizado, chega a hora da colheita e picagem. Para esse momento, os equipamentos devem estar todos em bom estado e verificados, a fim de não ocorrer problema nessa fase e ter perdas de alimentos por conta de paradas para conserto ou ajustes.
O corte da silagem deve ser ajustado para partículas no tamanho de 1 cm a 1,5 cm para a confecção de uma boa silagem. Para isso, as facas de corte devem ser bem afiadas antes de se iniciar.
Há uma relação com o ponto de colheita e o tamanho ideal da partícula, sendo que quanto mais longo for o estágio de desenvolvimento da planta, menor é o tamanho de partícula, sendo possível estimar pela Matéria Seca (MS) da planta:

  • Menor que 30% de MS: 1,2cm a 1,6cm
  • 30-35% de MS: 0,8cm a 1,2 cm
  • Maior que 35% de MS: 0,5m a 0,8cm

Para uma boa amostragem das partículas, existe uma ferramenta chamada PennState, que nada mais é do que 4 caixas furadas como peneiras, onde você coloca a amostra de silagem em cima e chacoalha as caixa fazendo as partículas caírem e ir parando em cada repartimento que possui um tamanho de partícula que não passa para baixo. Com isso se tem a porcentagem de cada tamanho de partícula, sendo os valores ideais de partículas para uma boa silagem:

  • Na peneira de partículas maiores que 19mm: 3-8% do volume peneirado;
  • Na peneira de tamanho de partícula entre 18mm e 8mm: 45% a 65% do volume;
  • Na peneira de 7mm a 1,18mm: 30% a 40% volume;
  • Na última, sem furos com partículas menores de 1,17mm: em torno de 5%.

Após o bom dimensionamento das partículas, chega o momento do enchimento do silo. Deve ser colocada palha no fundo do silo caso ele seja silo de superfície. Caso seja trincheira ou outra tipo, não há necessidade. É importante ter cuidado com a compactação da silagem. Deve ser feita uma boa compactação para se ter uma silagem de boa qualidade.
Enquanto estiver depositando silagem no silo, deve-se continuar compactando, e recomenda-se que a cada camada de 30cm, seja feita uma boa compactação, cerca de 4 minutos de compactação para cada tonelada de forragem depositada ali, para depois voltar a se depositar mais silagem.
O tempo de compactação não deve ser economizado, pois será ele que determinará as boas condições de conservação da silagem, se ocorrer a utilização de aditivos, é recomendado que a cada deposição de silagem, seja feita a aplicação do aditivo por meio de bombas de aplicação após o nivelamento e antes da compactação desta camada.
No silo de superfície, é importante ter cuidado com o abaulamento da parte superior, a fim de não possibilitar o acúmulo de água na parte de cima da lona, mas não deve ser excessivo.
Já no silo trincheira, o enchimento se faz de trás pra frente e a compactação é feita em um ângulo de 30 a 45 graus de inclinação, de forma que o fundo se encha primeiro que a frente, formando uma rampa para o trator subir fazendo a compactação.
Após o enchimento, o cuidado se passa para a boa vedação do silo. É importante vedar totalmente o silo, impedindo a entrada de ar ou água no interior do mesmo, vedando bem as laterais.
No caso dos silos trincheiras, se deve fazer o enterrio das laterais da lona, e a área onde ficarão os silos deve ser protegida contra a entrada de animais que possam rasgar a lona e assim fazer perder partes da silagem.
Recomenda-se o fechamento do silo em até 12 horas como ideal, mas aceitável de 1-2 dias. Porém, não é recomendado ultrapassar esse tempo. E após todos esses processos, estima-se que o silo esteja pronto para uso após 30 dias, quando a fermentação já tiver terminado.
Sem ser aberto, pode ser conservado por muitos meses, e após aberto, recomenda-se usá-lo sem tampar a frente, para evitar acúmulo de umidade na parte da frente. Após a abertura, é importante ter cuidado para não deixar entrar ar na parte de cima, sendo recomendado o uso de uma linha de terra ou um peso para manter sempre a parte de cima bem vedada.

Tipos de aditivos

Os aditivos são substâncias adicionadas na silagem durante o processo de ensilagem, com a finalidade de reduzir perdas e estimular a fermentação desejável, além de enriquecer o valor nutritivo e melhorar a digestibilidade e aceitabilidade da silagem.

Aditivos nutricionais/auxiliares de fermentação

  • Ureia: aumenta o valor de nitrogênio na silagem. Recomenda-se de 0,5% a 1% com distribuição uniforme.
  • Melaço: favorece a fermentação lática e melhora a aceitabilidade da silagem. Recomenda-se de 1-3% de adição para gramíneas e 4-5% para leguminosas. Para melhor distribuição, realizar diluição em água quente (7 partes de Melaço: 1 parte de Água quente). E para silagens com alta umidade, utilizar melaço em pó.
  • Polpa Cítrica: alto incremento de valor energético, recomendação de 4-15% do volume com distribuição uniforme.
  • Milho desintegrado com palha e sabugo: reduz a umidade e melhora a qualidade da silagem, recomendação de 4-10% com distribuição uniforme.
  • Farelos e casquinhas: reduz a umidade e melhora a qualidade da silagem, recomendação de 4-10% com distribuição uniforme.

Aditivos estimulantes de fermentação

  • Inoculantes enzimo-bacterianos: aumenta a digestibilidade da fibra da silagem, reduz o tempo de fermentação, reduz a perda de proteínas e energia, reduz o nitrogênio amoniacal, e prolonga o tempo de conservação da silagem.

Inibidores da fermentação indesejável

  • Pirossulfato de sódio (0,2-0,3%): Libera SO2 e bloqueia a respiração celular
  • Ácido fórmico (0,5-0,6%): Reduz o PH e inibe fermentações indesejáveis
  • Formol (0,3-0,4%): Bacteriostático + insolubilidade das proteínas

Silagem de qualidade e eficaz

Após seguir todos esses passos, certamente você terá uma silagem de muito boa qualidade. E para ter certeza disso é só tomar nota de alguns aspectos, como a boa aceitabilidade pelos animais, ausência de odor acético ou amoníaco, ausência de mofo, temperatura próxima a do ambiente e coloração verde clara, ou amarelada, ou dependendo do alimento usado, amarronzada como é o caso do sorgo.
Seguindo todas essas orientações, com certeza sua silagem terá ótimas condições. 

Referências:

Professor Manoel Eduardo Rozalino Santos.
Livro Forragicultura: Ciência, Tecnologia e Gestão dos Recursos Forrageiros

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